SPACENOW NEWS

Revista Sociedade Militar, todos os direitos reservados.

Como um erro histórico no regime militar criou o Comando Vermelho e transformou o BOPE na tropa mais temida do Brasil

A história do Comando Vermelho começou dentro das prisões, quando a mistura entre presos políticos e criminosos gerou uma facção que desafiou o Estado e moldou a resposta do BOPE

por Jefferson S Publicado em 07/11/2025
Como um erro histórico no regime militar criou o Comando Vermelho e transformou o BOPE na tropa mais temida do Brasil

A história do Comando Vermelho começou dentro das prisões, quando a mistura entre presos políticos e criminosos gerou uma facção que desafiou o Estado e moldou a resposta do BOPE

Pouca gente associa a origem do Comando Vermelho a uma falha de política pública do período da ditadura militar. No Rio de Janeiro dos anos 1970, prisões superlotadas, tortura e a decisão do Estado de não distinguir entre crime político e crime comum criaram um ambiente em que ideias e práticas se misturaram. A convivência forçada entre militantes de esquerda e criminosos abriu caminho para um processo de organização que acabaria por dar origem ao que hoje conhecemos como Comando Vermelho, uma das maiores facções do país e um dos adversários centrais do BOPE.

A gênese dentro do “Caldeirão do Diabo”

No Instituto Penal Cândido Mendes, conhecido como Caldeirão do Diabo, presos políticos e criminosos comuns dividiram celas. Foi ali, segundo relatos históricos, que nasceu a chamada Falange Vermelha, por volta de 1974, uma organização que adotou códigos de conduta, solidariedade interna e mecanismos financeiros como o chamado “dízimo”. Esses procedimentos, concebidos como formas de proteção e sobrevivência, acabaram incorporando práticas de comando e disciplina que mais tarde migrariam para as ruas.

O processo ocorreu em meio à Lei de Segurança Nacional e à repressão que não diferenciava motivos ideológicos de delitos comuns, o que levou militantes como Fernando Gabeira a dividir espaços com assaltantes como William da Silva Lima. A convivência, num contexto de sofrimento e resistência, facilitou a transmissão de métodos organizacionais.

Do idealismo à estrutura do crime organizado

Com a Lei da Anistia de 1979, presos políticos deixaram as celas, mas as estruturas de organização e hierarquia ficaram. Em pouco tempo, a Falange Vermelha evoluiu para o Comando Vermelho, que a partir dos anos 1980 ampliou sua atuação para favelas e territórios urbanos, instalando uma lógica de controle territorial e tráfico de drogas. O jornalista Carlos Amorim sintetizou esse processo ao afirmar que a convivência “forneceu o ensinamento que faltava para o salto de qualidade rumo ao crime organizado“.

Ao internalizar disciplina, logística e mecanismos de socorro mútuo, o Comando Vermelho montou uma máquina que se espalhou para além do Rio, tornando-se uma rede com células autônomas e códigos próprios. A transformação mostrou-se rápida e eficiente, forçando o Estado a criar respostas especializadas.

O legado e a reação do Estado: BOPE e o ciclo da violência

A expansão do Comando Vermelho motivou o aperfeiçoamento de unidades de elite, entre elas o BOPE, que ganhou fama por operações agressivas em favelas e confrontos diretos com traficantes. Apesar das ações policiais, o jornalismo e estudos oficiais mostram que a facção consolidou-se nacionalmente. “Segundo dados do Ministério da Justiça, o Comando Vermelho é a segunda maior facção criminosa do Brasil, com presença em quase todos os estados e conexões internacionais, especialmente na Bolívia e no Paraguai.

O paradoxo histórico é claro: uma tentativa do Estado de neutralizar a resistência política acabou contribuindo, indiretamente, para a criação de uma organização que hoje desafia o próprio aparato repressivo. A resposta foi o fortalecimento de forças como o BOPE, mas também o aprofundamento de um ciclo de violência urbana que persiste.

Nem todos concordam com a ideia de influência direta da esquerda na gênese do crime organizado. Como disse o advogado José Carlos Tórtima, em defesa dos ex-presos políticos, “Os guerrilheiros nunca tiveram a intenção de ensinar criminosos. A convivência foi apenas consequência da política do regime militar”, opinião que reflete a percepção de muitos historiadores e ex-militantes que afirmam ter sido meramente vítimas das circunstâncias.

O caso do Comando Vermelho é, portanto, uma narrativa complexa, onde erro político, falha administrativa e adaptação social se entrelaçam. Com quase cinco décadas de história, a facção continua a influenciar a segurança pública, e o confronto com o BOPE permanece como símbolo de um embate que nasceu atrás das grades e se transformou em um desafio nacional.

Esta reportagem parte de levantamento histórico publicado originalmente em 06/11/2025 por Thaís Souza, e retoma trechos e dados que ajudam a compreender por que um episódio do passado repercute até hoje nas ruas do Rio e nas estratégias do Estado.

0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Jefferson S

Jefferson S

0
Adoraria saber sua opinião, comente.x